A Economia Comportamental Vai à Corrida: Bate Papo com o Blog Recorrido

“A Economia Comportamental vai à corrida”
(confira aqui o post original)

Olha esse bate papo muito legal que fizemos com um dos maiores blogs de corrida do país, o Recorrido, do Danilo Balu, falando da aplicação prática da Economia Comportamental na corrida. (baseado nesse outro texto que publicamos.)

Danilo Balu é Bacharel em Esporte pela Universidade de São Paulo (EEFE-USP) (2001) e fez Nutrição na mesma instituição (FSP-USP). Além de Engenharia Civil (POLI) e Ciências Atuariais (FEA-USP). Corre desde 1990 e é autor dos livros O Nutricionista Clandestino (com blog de mesmo nome) e O Treinador Clandestino!

Texto retirado do Blog Recorrido:

 

“Oi Flora! Tudo bem? Li e reli com muita atenção seu texto “O segredo da corrida ou como sair do-sofá depois de um dia intenso de trabalho no blog do Grupo de Estudos sobre Economia Comportamental da FEA-USP. Muitos do que conhecem meu trabalho já sabem: sou apaixonado por Economia Comportamental!

E corrida é um esporte simples, mas não é nada fácil… ela exige uma dedicação constante e paciente enquanto oferece um desconforto físico durante a prática. Então vivemos em um dilema! Com tantas alternativas que oferecem um prazer enorme e imediato (um frappuccino no Starbucks, por exemplo), como fazer ser rotina uma ida até a pista para dar tiros de 400m que nos deixam com a sensação de “tirem me daqui!”?? Difícil, não!?

Eu não sabia, mas você corre há 4 anos aquela que para mim é a prova mais tática de todo o atletismo (1.500m). Você falou algo MUITO legal! “As provas de meio fundo são exclusivamente caracterizadas pela constante presença de escolhas. No começo, nosso corpo transborda adrenalina e nosso ímpeto é ir o mais rápido possível, garantindo a liderança. À medida que entramos na segunda volta, nossa boca seca, nossos músculos cansam e tendemos a desacelerar — por vezes, falta vontade para passar a(o) adversária(o). São mini escolhas tomadas a cada metro da prova — e eu diria que a chave está, justamente, em tomar as melhores decisões possíveis, dado sua restrição física, ao longo do 1.500m.”

A maioria dos que vêm ao Recorrido fazem provas mais longas que os 1.500m… correm 5km, 10km, 42km… Mas é um fato, ainda que em menor intensidade, correr uma prova é uma sucessão de “mini-escolhas”. Você está cansado(a), o corpo pede para reduzir, mas temos que tomar uma decisão racional de seguir correndo em um ritmo X para conquistar uma determinada marca. Você no seu texto de cara cita Kahneman (*notaDaniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia, é autor da “Bíblia da Economia Comportamental”, o clássico Rápido e Devagar). Então minha primeira pergunta, Flora, é:

O que você acha que a tomada de decisão (racionais e irracionais) tem a ver com uma prova, uma situação extenuante? Afinal, corrida não é só sair correndo? Sem pensar??

FLORA: Fico muito contente de ver que compartilhamos estes interesses, Balu. Sabe, cada vez mais que estudo economia comportamental e o processo de escolha vejo como a corrida é um ótimo experimento individual para muitas das questões trabalhadas nessa área.
Acho que eu só tive maturidade para entender melhor minha prova nesta temporada. Antes disso acho que só saia correndo mesmo, sem pensar — dava uma de coelho nas primeiras voltas e tentava não quebrar no final. Não ia mal, mas também não chegava no meu limite. Correr por si só é uma coisa. Correr uma prova é outra. São situações muito diferentes quando você se preocupa com tempo, metas e adversários. Não é algo confortável. A sensação quando você termina é indescritível, mas é uma grande batalha individual ao longo de todo o percurso.
O 1.500m é uma prova mais curta e, por isso mesmo, não abre espaço para devaneios, pois tem que ser feita inteiramente em intensidade. Por isso comecei a pensar nessa questão da tomada de decisão e, bom, meio que experimentar minhas teorias ao longo dos treinos. Se tomar decisões requer energia e esforço, isso atrapalharia nosso desempenho físico ao longo da prova. Além disso, tomar a decisão durante a prova não é algo indicado — por estar em uma situação extenuante, sua noção intertemporal será afetada, entre o que é melhor momentaneamente (parar de correr, correr em um ritmo confortável) com seu objetivo racional de longo prazo (bater seu tempo). Sabemos, contudo, que operamos de duas formas diferentes: nosso cérebro consegue tomar decisões racionais e bem pensadas, o Sistema 2 (nota: ideia de 2 sistemas defendida por Kahneman, em oposição ao sistema 1), mas muitas vezes operamos de maneira automática (Sistema 1), o que requer menos energia. Bom, sendo assim, eu deixaria a decisão racional, de estratégia, para ser planejada antes (durante o período de treinamento, por exemplo). Nisso entra aquela questão de encontrar seu ritmo, saber quando se controlar e quando acelerar. O necessário, então, é tornar o processo “automatizado” – através da repetição dos treinos — para que, durante a prova, onde você só contará com seu sistema “rápido”, saiba o que fazer. Os treinos, então, devem ser feitos levando em conta seu corpo e sua mente! Sabe quando você tem vontade de desistir no tiro final? Ou acabar a rodagem alguns quilômetros antes? Quando você se força a ir até o final, está treinando seu cérebro para automatizar essa decisão na prova. Quando esse gatilho aparecer você tem que inserir a ação desejada, até que vire automatizada. (Que fique claro: isso é um processo difícil, o de automatizar suas decisões para alcançar o ritmo desejado! Exige muita repetição e consciência corporal. Mas entender isso talvez torne um pouco mais fácil.)
Sabe uma coisa curiosa? Outro dia estava treinando com um amigo. Sabia o tempo que queria fazer, e pedi para ele me puxar em metade dos tiros – íamos intercalando. Quando ele me puxava, o esforço que eu fazia parecia tremendamente menor do que quando eu ia na frente. Sei que tem a questão do vento, aerodinâmica e etc. Mas acho que é algo além disso. Eu não estava fazendo esforço nenhum para controlar o ritmo – só seguia ele. Minha energia estava inteiramente focada em correr, não em pensar. Não tinha que tomar decisões. Eu só corria. E o esforço pareceu muito menor. (Talvez isso explique parte da eficiência de se treinar em grupo…). Você também sente isso?!

BALU: Muito bom! Sim, sinto tudo isso! Com certeza! O treinamento de corrida é uma questão de treinar parâmetros fisiológicos (VO2máx, limiares, resistência de força, de velocidade…), mas também uma questão psicológica, comportamental, neurológica… a ideia do treinamento, entre tantas outras coisas, é fazer algo que seja difícil até ela ficar fácil ou ao menos realizável. Ou como gostam de dizer muitos treinadores: a última repetição é a boa, é a que importa, é a que vale. Recentemente retomou-se um debate que acho meio raso, de que a cabeça é quem manda no desempenho, acho tolo porque bastaria então trazer um monge e ele bateria o recorde da maratona. Fazer o básico (correr e correr) não é sexy, então as pessoas vivem querendo trazer o diferente, algo mirabolante.

A questão mental da corrida é muito importante, lógico! Você, sem ter CREF nem ser treinadora, captou e acabou por explicar algo que somente muito recentemente nos demos conta na corrida: você ficar atrás, no vácuo de um corredor, traz ENORME vantagem competitiva e nem é por uma questão aerodinâmica, não! Mas porque você não precisa pensar, algo que consome MUITA energia. Incrível, né!?

Aí eu vou te fazer um desafio! Quando olhamos as estatísticas, temos que uma significante parte dos corredores brasileiros treinam no final da tarde, começo da noite. Sabemos agora que não só correr cansa, mas pensar também. Para piorar temos a chegada do frio mais ao Sul e Sudeste do país… como vencer todo aquele cansaço que inventa desculpas para não irmos treinar? Como fazer o sistema 2 “vencer” o 1? Você explicou muito bem em seu texto original, então baseada nos conceitos da Economia Comportamental, quais dicas práticas você daria?

FLORA: Concordo plenamente com seu ponto, Balu! Querendo ou não, o jeito bruto de melhorar a corrida é correndo. Não tem milagre. Tem “polimentos”, questões secundárias, mas não dá para tirar a parte principal. Toda essa questão de treino mental e estratégia só faz sentido se feito durante os treinos de corrida. É justamente em criar um hábito de resistência mental perante o esforço físico – de nada adianta “visualizar” sem efetivamente seu corpo estar preparado pra isso.
Você entrou em um assunto que diz respeito a um fenômeno muito estudado em economia comportamental: o autocontrole. Uma das coisas que os cientistas descobriram é que esse recurso nosso funciona como um músculo: ele fadiga e requer energia. Quando estamos muito desgastados das diversas atividades do dia (trabalho puxado, estudos intensos) é muuuito mais difícil criar forças pra vencer a preguiça e ir correr (e o frio só piora a situação!). E treinar no final do dia acaba pegando essas sequelas. O jeito de tentar “vencer” isso é tornar nosso exercício automático em nossa rotina.
Lembro que, quando estava na escola, eu corria na praia todo final de tarde. Ano de vestibular, chegava em casa esgotada. Quando eu deixava minhas coisas logo me trocava direto e calçava o tênis, eu não desistia de ir (por mais que ainda fosse fazer alguma outra coisa em casa). Agora, se eu deitasse pra ver TV e descansasse uns minutinhos, era quase impossível criar forças pra sair de casa (principalmente no inverno, onde não contamos com aquele lindo dia pra nos motivar). O que ocorre é que começamos a criar desculpas mentais pra justificar nossa “falha” – e uma vez que justificamos um dia, o processo pra desistir de novo passa a ter um atalho mental.
Assim, baseado nessas teorias, vou tentar dar algumas dicas práticas que talvez ajudem, então:
1) Ter um objetivo forte com metas TANGÍVEIS que sirvam como motivação (ex: perder tantos quilos em tal prazo; melhorar seu tempo em x semanas; aumentar o desempenho para uma determinada prova). Atenção: quanto mais preciso for, melhor, pra não esbarrar na questão de incerteza e intertemporalidade;
2) Ter um grupo que te motive. Treinar em grupo exige menos autocontrole porque você torna o processo uma “norma social”. Se não for, tem que justificar sua ausência aos seus pares, e as pessoas estariam contando com a sua presença; (e se você faltar, lembre-se que estará influenciando os outros a faltar também!)
3) Criar “gatilhos” do hábito. Por exemplo, colocar a roupa de corrida logo que chegar em casa; treinar exatamente em tal horário (gatilho: olhar o relógio); comer um alimento de pré treino (que você só come pra treinar);
4) Criar um sistema individual de punições e recompensas. E se a recompensa da sensação de treino cumprido não for suficiente, ativando as áreas de prazer (ex: jantar tal coisa, postar uma foto do treino, ver uma série sem culpa no Netflix, etc.); 
5) Não faltar por preguiça! Se você treina todo dia ou em X dias da semana, faça desses seus dias sagrados! Se você faltou uma vez, isso acaba facilitando o processo de desistir, pois nós ancoramos nossas decisões presentes em decisões passadas.

BALU: Flora, tudo, absolutamente TUDO o que você falou no seu texto e agora nessa conversa me faz sentido! Nunca falei isso, mas eu mesmo tenho algumas regras mentais para treinar… quando morava na Irlanda fiquei viciado em digestive biscuits… chegou um momento que eu só me permitia comer 3 delas após meu treino do dia. Era a cenoura a um coelho, uma estratégia quase do tipo ganha-ganha. Sem treino (por qualquer que fosse o motivo), sem biscoito! Atualmente só como tapioca em um limite semanal e desde que seja em um dia de treino. Eu encaro meu treino diário como se fosse escovar dente… após o almoço vou e escovo… corrida é igual, eu saio correndo, sem me perguntar se devo ou não. Queria então era agradecer! A ideia era você, uma corredora, mas também uma acadêmica da área, pudesse fazer a nós essa junção entre a teoria e a prática. Mas para acabar queria antes apenas mais uma espécie de último desafio! O pesquisador Dan Ariely (Nota: Ariely é renomado autor de livros já traduzidos ao português, sobre irracionalidade e desonestidade. Pode comprar qualquer um, não tem como não gostar!) sugere que uma sessão de treino seria melhor se o último estímulo não fosse talvez o mais difícil porque essa sensação de enorme desconforto ficaria retido na memória criando uma certa aversão aos treinos já que sempre associaríamos um treino àquele sofrimento horroroso, então ele fala que terminar leve muda positivamente nossa percepção. Pois muitos dos que leem aqui são de alguma forma treinadores (de si ou de alguém). Então como a Economia Comportamental poderia ajudar um treinador a aumentar a fidelidade ou compromisso de um amador aos treinos? Alguma sugestão nessa linha? Prometo que é a última! (risos)

FLORA: Balu, o Dan Ariely trata muito bem sobre como agregamos informações ao longo do tempo. Quando jovem, ele sofreu um grave acidente que queimou 70% de seu corpo e, como consequência, passou meses internado no hospital, onde passava várias vezes pelo doloroso processo de remover as ataduras. As enfermeiras removiam-nas rapidamente, mas ele achava que removê-las aos poucos diminuiria sua percepção da dor — e isso motivou-o a estudar o assunto.
Ele baseou-se em Kahneman, de que a intensidade final da experiência impacta a avaliação retrospectiva, em Lowenstein e Prelec, de que é, de fato, a tendência final que determina essa avaliação. e em Hsee de que mudanças de intensidade é que são incorporadas mais fortemente em nossa memória.
Ele chegou a conclusão, enfim, de que a dor dispersada ao longo do tempo em menores intensidades diminui a percepção intrínseca – mas causa um impacto maior na enfermeira que causa a dor (por isso elas faziam de uma vez só, assim, reduziam seu próprio sofrimento, e a percepção de que o processo, em geral, se sairia menos doloroso para ambas as partes.)
Aplicando aos treinos de atletismo, eu acho que parte desse efeito é incorporado da sensação de endorfina (runners’ high) e satisfação ao final do treino superarem a dor que é o treino em si. É pelos resultados (e pela sensação positiva que eles trazem em nosso cérebro) que continuamos a praticar esse esporte. Correr pra um tempo não é divertido. Mas a satisfação final é a que fica associada à experiência!
Não tenho conhecimento suficiente para afirmar se isso se aplica a “partes” do treinamento (ex.: começar com mais difícil e acabar com algo mais fácil, que doa menos…). Não sei nem os respaldos da parte física do processo e tampouco posso afirmar pela minha sensação individual. Se eu acabar encontrando algo sobre o assunto, te envio!

BALU: Ótimo, Flora! MUITO obrigado! Nem temos como agradecer!”

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